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Foto do escritorNathalia Pereira Jardim

Pequenas viagens #1

Atualizado: 8 de jan.

Sobre tortas e formigas


Por anos da nossa infância, minha mãe levou a mim e a minha irmã para comer torta em um pequeno estabelecimento em Penedo-RJ. A dona se chamava Débora. As deliciosas tortas da Débora. Foi lá que descobri a torta alemã - que, na verdade, é brasileira. Era a nossa favorita, com suas finas camadas de biscoito, creme branco e ganache de chocolate de cobertura. Jamais comi uma torta como aquela, porque ainda que eu tenha comido muitas tortas deliciosas ao longo da vida, nenhuma tinha aquele mesmo sabor de descoberta. Minha madeleine.

Diversas fatias de tortas coloridas, azuis, amarelas, marrons, vermelhas, rosas, distribuídas por um fundo marfim muito claro.
Padrão de Tortas Coloridas. Design de Shelby Warwood via Pinterest.

Também foi lá, no balcão daquele café, que decidi, quando tinha não mais que 7 anos, que as melhores pessoas são aquelas que desviam de seu caminho para não pisotearem formigas. Isso aconteceu porque, certo dia, um senhor, viúvo há pouco tempo, entrou lamentando e chorando a perda de sua esposa, a quem tanto amava. Ele dizia: "ela foi a melhor pessoa que conheci, nunca pisava em formigas, ela mudava de lado para que elas seguissem seu caminho". Ele falou tantas outras coisas, mas foi essa a que me marcou. Talvez porque eu amasse o filme Vida de Inseto (1998). Talvez porque sempre tenha me espantado o quão pequenininhas eram as formigas frente a mim, que também era pequena em comparação aos adultos. Aquilo era muito singelo. O resultado foi que achei minha irmã o ser mais monstruoso do mundo quando ela matou uma formiga de propósito, para me provocar. Preparei um sepultamento com pedrinhas e folhas ao redor do corpinho esmagado. Estava aos prantos, minha irmã gargalhava. Tudo muito dramático e sentimental.

Posso dizer que aquilo foi o mais perto que cheguei de um enterro até os 18 anos, pois por muito tempo tive medo de cemitérios, e mesmo em velórios, eu não gostava de ver o morto no caixão, então nunca ia até ele. Além disso, tive a sorte de não perder pessoas próximas durante aqueles anos, só muito depois. Era um medo que me assombrava. Eu comecei a realizar o que era a morte por volta da mesma época em que íamos comer torta alemã em Penedo. Lembro-me de passar um mês rezando, pedindo que todas as pessoas que eu amasse morressem ao mesmo tempo, pois não queria lidar com a dor da ausência como aquele senhor. Mas se as coisas funcionassem assim com todos, eu jamais teria desenvolvido minha compaixão por formigas e seres miúdos.

Honestamente, não sei como um texto sobre tortas cremosas ficou tão fúnebre de repente, ou o que as formigas tem a ver com isso. Apesar de que formigas gostam de doces e de cavoucar a terra... Na verdade, tudo começou porque outro dia lembrei do quanto eu amava a torta alemã da Débora, e então lembrei daquele homem e do quanto ele amava sua esposa, e pensei no momento em que esses dois amores se encontraram na mesma hora e lugar, numa coincidência que me fez tomar uma decisão importantíssima sobre o caráter humano. As coisas são apenas elas mesmas e, ainda assim, são tantas outras coisas.


Feliz 2025!

78 visualizações2 comentários

2 Comments


Anita
Jan 07

Feliz novo ano para você, Nathália, para todos nós. Penedo é uma cidade especial também para mim....um dia eu conto essa história. Parabéns pelo delicioso texto. Abração

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andre_miranda
Jan 07

Feliz 2025, querida. Que presente começar o ano com uma leitura tão singela e reflexiva. Gratidão pela partilha. Até breve

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