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É o fim da adolescência!

  • Foto do escritor: Nathalia Pereira Jardim
    Nathalia Pereira Jardim
  • 7 de mai.
  • 5 min de leitura

Pelo menos, como eu a conheci.


Queria muito escrever sobre esse tema, mas não sabia como começar. Meu texto não pretende ser uma análise antropológica, sociológica ou uma investigação jornalística, mas, sim, um resgate das minhas memórias e uma comparação da minha experiência crescendo nos anos 2000 com o que vejo e entendo sobre o que é ser parte da juventude no Brasil de hoje. Não preciso dizer que sou um indivíduo com meus recortes social, de classe, gênero e raça e entendo que meu ponto de vista pode estar limitado a quem eu sou, ao que eu consumo de informação e à cultura em que estou inserida. Ainda assim, tenho certeza que parte do que eu tenho para compartilhar vai ressoar com muitas pessoas. Sendo assim, lanço a pergunta: o que significa ser jovem no Brasil atual?


Ser adolescente nos anos 2000, para mim, significou preencher boa parte do meu tempo ocioso em fóruns nas comunidades do Orkut, baixando música em qualidade duvidosa no eMule (quem lembra?), entrando e saindo do MSN e buscando informações confiáveis dos meus artistas favoritos em sites de fandoms, revistas adolescentes e blogs. Também adorava cortar das revistas minhas dicas favoritas, como num Pinterest rudimentar. Ficavam a salvo as Capricho e Witch, minhas favoritas.


Quem viveu, sabe

Eu amo ter sido uma adolescente Millennial, o que pode até soar meio bobo, afinal, ninguém escolhe a geração em que nasce. Mas a verdade é que me identifico muito com tudo o que diz respeito a essa época: a vinheta de Malhação no final da tarde, os flip phones, o gloss roll-on da Avon Color Trend, os lançamentos anuais do Summer Eletrohits, o Belo lançando carreira solo e sua separação apocalíptica da Vivi Araújo... Enfim, não quero romantizar, os anos 2000 têm sua bagagem de absurdo, de violência, de uma cultura problemática. Ainda assim, sinto uma nostalgia sincera quando penso nessa época e no que ela significou em termos de conexão, debate sobre os costumes, reordenamento do mundo e novos hábitos.


Dia desses, rolando pelo feed do Instagram, me deparei com uma reflexão da @marcellahamps sobre produtos nichados para adolescentes nesse período e como esse tipo de marketing praticamente desapareceu atualmente. As publicidades adolescentes costumavam sempre aparecer nas revistas direcionadas a esse público, gerando um desejo enorme de consumo, como se ter algo da "linha teen" de uma marca, como o perfume da Capricho em parceria com O Boticário, afirmasse identidade e pertencimento. Essas mesmas revistas já não circulam hoje - tudo o que antes nos chegava de forma analógica foi pro online e tá a um 5G de distância. Eu não tive um smartphone até fazer uns 19 anos. Sim, eu tinha redes sociais e acesso fácil à internet, mas nada se compara a como isso funciona hoje.

Simplesmente a maioral, responsável por uma geração de jovens místicas...
Simplesmente a maioral, responsável por uma geração de jovens místicas...

Temos, todos nós, uma relação diferente com nosso tempo e com o tempo das coisas e do mundo atualmente. Se você é Geração Z, cresceu numa economia pós crise de 2008 e viveu anos cruciais de sua vida em confinamento devido à pandemia de Covid-19. Cresci num Brasil que chegou à sexta economia do mundo, recém-escolhido para sediar Copa do Mundo e Olimpíadas, um atrás do outro, estudantes de universidade públicas em intercâmbio em toda parte pelo Ciências sem Fronteiras (infelizmente, nem todos os cursos eram contemplados). Uma sensação de que daríamos muito certo e que o mundo era um quarteirão a ser explorado. A realidade da vida adulta mostrou-se muito diferente. Neste e neste episódio do Caos Cast, que indico muito, os apresentadores discutem o ressentimento dos Millennials que não conseguiram chegar onde se prepararam para ocupar e como, por isso, muitos têm um sentimento de frustração e ansiedade frente às relações de trabalho precarizadas, à degradação do meio ambiente, à constante perda de direitos, ou seja, à realidade. É o capitalismo em crise - e ela não vai embora.


Os Gen Z, por sua vez, parecem ter uma visão muito menos romântica sobre o que é ser jovem, menos idealista e mais objetiva. Se Millennials associavam vida adulta à coisas como experimentação e vida noturna e social agitadas, por exemplo, a Geração Z gosta de rotina e autocuidado. Enquanto casas noturnas fecham no mundo todo, dê uma rolada no feed de qualquer rede social e você vai se deparar com vídeos de pessoas acordando, lavando o rosto, preparando o shake, escrevendo o devocional, indo para o ioga, academia ou pilates, preparando a agenda da semana, organizando lancheiras, mostrando tudo o que elas comem em um dia e a rotina de skin care. Se nossas primeiras aventuras no Instagram foram postar fotos com os filtros mais básicos do aplicativo de um momento aleatório, hoje o que queremos é demonstrar um certo estilo de vida, tudo sempre muito "aesthetic", harmonioso. Muitos Gen Z, inclusive, preferem não postar, se limitam aos stories e estão sempre arquivando e deletando fotos. É outra relação com o tempo, com a imagem, com a construção de identidade.



Se antes íamos até uma banca de jornal comprar uma revista feita com uma curadoria cuidadosa e limitada dos assuntos sobre os quais deveríamos nos informar e passávamos tempo em comunidades sobre nossos interesses pessoais, agora nos chegam centenas e até milhares de informações guiadas por algoritmos. Tudo em uma velocidade inacreditável, a todo o momento somos bombardeados com assuntos que não necessariamente gostamos, mas que mexem com nossos afetos, humores e valores. Não à toa a expressão do ano de 2024 para o Dicionário Oxford foi "brain rot" ou "podridão do cérebro". Faz total sentido que, para uma geração nativa digital, que cresceu consumindo conteúdo nessa velocidade e olhando para as decepções sonhadoras da geração anterior, desenvolver um senso de organização pode oferecer uma sensação de controle sobre si e sobre a imagem projetada num mundo super fragmentado e mais desigual do que nunca.


E por que quis escrever sobre isso? Bem, mais do que tudo, porque não sei responder à pergunta com que comecei o texto: eu não sou mais jovem, pelo menos, não da maneira como um jovem é definido socialmente, e, com isso, percebi que não consigo mais acessar uma série de mudanças e tendências que, antes, eram tão óbvias para mim. E apesar disso ter me despertado um sentimento um pouco melancólico, ele logo deu lugar a um alívio enorme.


É agridoce se ver no lugar da geração que "passou" e agora precisa lidar com tudo o que aprendeu, viveu e desenvolveu. Por mais que veja e sinta certas mudanças, já não consigo me relacionar com elas da mesma maneira, e que bom, estou em outro lugar da minha vida. Acho engraçado quando Millenniums tentam desqualificar as referências Gen Z ou mesmo falar que elas sequer existem (como se isso fosse possível!). Elas estão por aí, mas simplesmente não nos alcançam. Quer um exemplo prático? Minha mãe sabe quem é Madonna, mas pergunte para ela quem é Britney Spears! Já expliquei mil vezes, ela simplesmente não retém a informação porque não faz a menor diferença para ela - e isso vale para todo mundo, cada um em seu contexto. A adolescência, obviamente, não vai deixar de existir e, com certeza, cada geração construirá sua própria cultura, seu próprios hábitos e costumes. Elas viverão seu próprio espírito do tempo e não vão, necessariamente, ser facilmente entendidas por quem "já passou".


Daqui a alguns anos, algum Gen Z voltará aqui para falar dos Alpha...


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©2024 por Nathalia Pereira Jardim Tradutora e Revisora. Rio de Janeiro, Brasil

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